Continuando a nosso Guia Básico do Vinho Português, feito em parceria com o enólogo Domingos Silva-Neto, nesse segundo post iremos abordar um pouco da história do vinho, o que faz com que sejam diferentes entre si e principalmente apresentar as regiões produtoras de vinho portuguesas. Então vamos a isso?
Indiscutivelmente, plantar videiras para produzir uvas é uma cultura milenar. Fazer vinhos dessas uvas é tão antigo quanto o próprio cultivo da videira: os Helenos que o digam, pois é sabido que na Grécia Antiga o vinho sempre era bebido antes de iniciar os grandes simpósios filosóficos, para desinibir os participantes e incentivar uma discussão sem pudores [se essa moda pegasse na política!]. Porém, muito antes disso tudo, estudos apontam que as primeiras regiões dedicadas à “cultura da videira” (i.e., viticultura) para obtenção de uvas foram aquelas da zona do Cáucaso e Mesopotâmia, onde posteriormente foi expandido para a Europa Ocidental – em consequência das rotas comerciais terrestres e mediterrânicas dos Fenícios e Gregos, para além das vastas conquistas e expansão do Império Romano.
De lá pra cá, a viticultura se estabeleceu nesses diferentes territórios que possuem diferentes ecossistemas, principalmente os tipos de solos e clima. Isso demonstra como a videira possui uma grande capacidade de adaptação, sendo capaz de crescer e se desenvolver em locais quentes e de pouca chuva (i.e., secos) a locais extremamente frios e bastante chuvosos. Contudo, a obtenção de bagos com qualidade para produção de vinhos é limitante, principalmente no quesito maturação adequada das uvas. Por isso hoje temos diferentes tipos de videiras que “escolheram” (i.e., seleção natural) e “foram escolhidas” (i.e., selecionadas pelo homem) por determinadas regiões europeias como seu habitat natural.
Estas regiões, inclusive, deverão possuir características edafoclimáticas específicas e favoráveis para a videira, que contribuirão em peso para o potencial de um vinho de qualidade (vinhos DOC) e os limites da sua viabilidade econômica. Abaixo é possível verificar diferentes zonas de temperatura confortáveis para o crescimento de diversos tipos de uvas, demonstrando o que foi dito, sobre a escolha adaptativa de regiões específicas para o crescimento.
Para uma videira crescer e gerar frutos, ela precisará de condições ideais de solo e clima para cumprir todo o seu ciclo de forma equilibrada: estamos falando dos estados fenológicos da vinha, como na imagem abaixo.
Se todas essas etapas ocorrerem de forma natural, sem problemas, o vinho produzido fatalmente será considerado de qualidade, pois sua expressão representará as condições naturais encontradas na vinha. Lembra do primeiro post, na secção sobre terroir, que diz “… nos bagos das uvas há um determinado perfil de moléculas químicas que definirá um padrão de gosto para estas uvas produzidas naquela região.”? Este perfil de moléculas químicas será produzido ao longo destes estados fenológicos da videira, e qualquer quebra neste equilíbrio deverá ser compensada pelas técnicas de viticultura existentes conforme o perfil do vinho a ser produzido. Ou seja: é começar a fazer o vinho já na vinha!
Num ecossistema, quem são os vilões da videira?
Existem algumas variáveis que irão impactar diretamente sobre o ciclo da videira e afetará a produção destas classes de moléculas químicas, responsáveis pelas as cinco características básicas e mais apreciadas num vinho (se não lembra quais são as características, olha lá no post introdutório novamente!). A seguir vamos resumir algumas destas principais variáveis para a categoria do mesoclima e como elas poderão impactar no desenvolvimento do ciclo natural da videira:
- Temperatura: para cumprir todos os estados fenológicos, a videira precisa de horas de sol (calor e luz) por dia, todos os dias, até o final do ciclo. Algumas precisam de mais, outras menos. Acertar na escolha da casta em função da região a ser plantada é aproveitar ao máximo as condições que a natureza oferece!
- Índice de chuva: chuva é sempre um ponto sensível no mundo das videiras. Isso porque se chove muito também haverá um aumento de humidade relativa do ar e isso tudo contribuirá para as doenças causadas por fungos, que são as mais temidas numa vinha. Agora, se chove pouco a videira perde o equilíbrio de água que existe dentro dela e, com isso, somado ao calor, poderá sofrer o chamado “escaldão”- as folhas secam. Além de tudo isso, os índices de chuva regulam os próprios ciclos da videira e onde há muita chuva a parte vegetal da videira sempre estará em crescimento, competindo com o desenvolvimento do cacho – ocorrendo perda de qualidade para as uvas produzidas.
- Altitude: a variação da altitude está diretamente relacionada com os valores de temperatura, onde a cada 100m de elevação da altitude verifica-se uma diminuição aproximada de 0,65Cº da temperatura do ar. Como isso afeta o mundo dos vinhos? Já acima dos 200m de altitude verificou-se que um vinho cujo teor alcoólico provável deveria ser 12,5% teve, na verdade, 12% de álcool provável! Isso sem falar também num aumento da acidez, cenário esse que configura a grosso modo numa redução na maturação da uva. De uma maneira geral, a altitude pode contribuir em dois fatores para uma vinha bem selecionada em instalada: baixas temperaturas durante a noite e uma temporada de crescimento maior, longo, cumprindo todas as etapas. Por isso os vinhos tendem a ser mais ácidos e estruturados.
- Declive e exposição solar em zonas de encosta: quanto maior o declive, maior será o ângulo de incidência dos raios solares e isso aumentará os valores da radiação solar e a temperatura – esta situação favorecerá a maturação das uvas em zonas frias.
- Geadas: nas geadas o que fica em risco é o congelamento da seiva que corre por todas as partes da videira. Uma vez congeladas, essas partes e a uva ficam escuras e a planta morrerá – por isso são conhecidas como geadas nagras.
Entretanto, pode parecer que não, mas estes mesmos vilões também podem atuar como mocinhos! A partida, estas variáveis são características constantes de uma região e tendo em mente a maneira pela qual estas variáveis poderão afetar a videira, conforme exposto acima, pode-se antecipar o mal e utilizar todas estas características para produzir um vinho que expresse ao máximo o sabor que aquela região pode proporcionar. É o uso das técnicas de viticultura para favorecer a melhor expressão do terroir!
E como começaram a classificar os vinhos?
A melhor adaptação das videiras somado ao uso de melhores técnicas de cultivo das mesmas teve como uma consequência inevitável o uso de mesmas videiras cultivadas nas mesmas regiões de sempre – claro, com pequenas variações e inovações. Esta prática ocorreu de forma natural no Velho Mundo, ao longo do desenvolvimento da humanidade e toda sua história associada; contudo, para melhor entender, produzir e comercializar o vinho produzido pela Europa se fez necessário organizar essa bagunça obtida ao longo dos anos. E, assim, nasceram as Regiões Vitivinícolas: regiões demarcadas por Indicações Geográficas (IG) ou por Denominações de Origem Controlada (DOC).
Atualmente, o uso da Denominação de Origem ocorre para preservar a forma de produção do vinho de uma determinada região e, com isso, preservar a cultura e a memória daquele povo, para além da história. Assim, garante-se também a qualidade deste vinho, pois em alguns casos as formas de produção e as técnicas desenvolvidas são milenares. Por sinal, é muito comum no território europeu encontrar videiras com mais de cem anos e que ainda produzem uvas com uma qualidade ímpar, resultando num vinho único e que contém toda uma história daquela região e do seu povo. E, graças a estas regras, derrubá-las para replantar novas videiras com maior capacidade de produção é extremamente proibido!
Sei que posso ser repetitivo, no entanto, mais uma vez, gostaria de chamar atenção para um mesmo conceito: tudo o que foi descrito no parágrafo anterior, também faz parte do terroir. E, desta forma, respeitável público, senhoras e senhores, vos apresentamos as Regiões Vitivinícolas de Portugal:
Ao todo, são 14 regiões e 29 sub-regiões. As regiões são grandes regiões geográficas e, por isso, são oficialmente conhecidas como Indicações Geográficas (também conhecido como Vinho Regional). As sub-regiões são mais específicas, com grandes variações culturais e na forma de fabricar o vinho, para além de condições edafoclimáticas distintas entre si; por esta razão, são oficialmente conhecidas como Denominação de Origem Controlada. Estes dois tipos de região originam Vinhos IG (ou Vinho Regional) ou Vinhos DOC, respectivamente.
Estas designações são aplicadas para garantir a originalidade e a individualidade de uma região. Por isso, para ser qualificado dentro destes critérios e ganhar o selo IG ou DOC, diversas regras deverão ser respeitadas, como:
- a origem das uvas: e/ou a produção do vinho deverá ocorrer dentro da região em questão ou mesmo num local previamente determinado (portanto, não dá para plantar uva num lugar e produzir vinho em outro);
- pelo menos 85% das uvas plantadas devem ser próprias da região (ou seja, não é reconhecido o plantio da uva alemã Gewürztraminer na região do Douro, por exemplo);
- os métodos de vinificação e as técnicas empregadas;
- tempo de permanência mínimo em barrica; etc..
E pronto. A parte mais difícil sobre compreender os vinhos de Portugal já passou. O passo seguinte, que abordaremos nos próximos posts, será compreender Portugal através dos vinhos, que foi como este incrível país se apresentou para mim. É vos apresentar a memória de todo um país, de toda uma gente, através de suas sub-regiões vitivinícolas e todos os muitos vinhos que por aqui existem.
O desafio é contar a história desse povo, de sua forma de fazer vinho, de plantar uva e até mesmo coisas sobre o clima e solo. É falar sobre o terroir que por aqui existe. Afinal, como já expôs Jonathan Nossiter:
“Wine, like human being, has memory. It remembers the land the grapes came from, where it spent most of its liquid life, how it was treated, and it feels it’s age. In the wine trade, a wine’s memory is referred to as terroir.”
[“O vinho, como o ser humano, possui memória. Ele lembra a terra e as uvas da onde ele veio, onde passou a maior parte da sua vida já em no estado líquido, como foi tratado e também lembra a sua idade. No mundo dos vinhos e de seu comércio, a memória de um vinho é referido como terroir”.]
“Liquid Memory: Why Wine Matters”, Nossiter, J., 2009.
Olha, Parabéns!!lindo trabalho.
Já pensou no congresso brasileiro os politicos tomassem vinho , para incentivar a discussão? Nem quero pensar!
Maravilhosas informações e com certeza tomar vinho , será mais prazeroso e valorizado, pois o processo e extremamente delicado, técnicas apuradas para ter um vinho de alta quantidade!
Muito bom!!👍👏👏
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Obrigada Vilson, também estamos adotando aprender mais sobre esse universo com o Domingos. Abraços
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Muito bom este vinho que vcs produzir
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que bom que gostou das nossas indicações
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